12.1.07

A “Banalidade do mal”

O título deste pequeno post inspira-se, como muitos dos leitores já se devem ter apercebido, no subtítulo de um livro escrito por Hannah Arendt na sequência da sua deslocação a Jerusalém para assistir ao processo de Adolf Eichamann (1961), raptado na Argentina pelos serviços secretos israelitas em 1960 (se não me engano), na qualidade de repórter do jornal norte-americano “New Yorker”. Escolhi este título porque considero que define como “uma luva” o que se vive neste momento em Portugal com esta sinistra tentativa de liberalizar o massacre dos inocentes. No fundo o que estamos a assistir é precisamente à “banalização do mal” fruto de uma sociedade que, porque não tem qualquer vínculo a um Absoluto e consequentemente um critério de Bem, se encontra à deriva e em total dissolução. Caminhamos inexoravelmente para a nossa própria autodestruição, vítimas do totalitarismo do relativismo. Arendt no seu clássico “As origens do totalitarismo” considera que um regime totalitário tem a capacidade de levar a vítima a colaborar na sua própria autodestruição. Creio que as similitudes com outras formas de totalitarismo que o séc. XX conheceu são suficientemente explícitas…
Outro aspecto sinistro inerente à difusão do mal, e que de resto constitui a sua pré-condição, é o do diluir das consciências. Uma das manifestações do sagrado, do verdadeiro sagrado, porque falso sagrado é o que por aí não falta como por exemplo a crença desmesurada no Estado, no fenómeno político, a “crença panteísta nas virtudes de uma maioria” (expressão do Corcunda), em acontecimentos, em objectos e, por vezes em pessoas, é a consciência moral que nos permite distinguir o bem do mal e que pressupõe naturalmente o tal vínculo a um Absoluto (mesmo que por vezes dele não se tenha consciência). É por isso que é natural ao Homem que não devemos matar outros seres humanos. E isto é independente da cultura (no sentido antropológico do termo, não no sentido da quantidade de conhecimentos) na qual um homem tenha sido criado. A pergunta que devemos então colocar é: como é que é possível levar o Homem a violentar a sua própria consciência, isto é, a praticar o mal estando convencido de estar a fazer o bem ou, pelo menos, a não fazer mal? É aqui que entra em cena a ideologia que nos permite “chamar branco ao preto e preto ao branco”, a subversão do real. No caso de Eichmann ele diluía a sua consciência dizendo a si próprio que se limitava a cumprir ordens. Noutros casos a técnica é a desumanização, indo nalguns casos até à animalização da vítima (como no caso dos processos de Moscovo, por exemplo). É à primeira técnica que nós assistimos no caso dos defensores do sim à matança dos inocentes. É frequente ouvi-los dizer “eu até sou contra o aborto”. No fundo sabem bem que matar é, e será sempre um crime, daí a necessidade de evacuar a consciência.

15 Comentários:

Blogger vs disse...

Embora eu seja votante do não, ao ler este post, não posso deixar de fazer observações

- sempre se matou ao longo da História. Umas vezes cuidando-se estar a fazer o 'Bem', outras vezes declaradamente por pura maldade.
(durante séculos as várias religiões mataram em nome de Deus, por exemplo; a crueldade completamente gratuíta e desproporcional e a opressão já vêm da Antiguidade)

...ou seja, o que me parece errado neste seu post é o Simão parecer 'atirar' para a modernidade (e para a actualidade) coisas antiquíssimas que, de modo algum, podem ser imputadas sequer à Democracia (de maneira nenhuma, repito) pois tal não é um exercício histórico correcto.

A Modernidade/Pós-Modernidade (como quiser) são 'continuidades lógicas' do que as antecedeu.
Nada acontece por acaso.

Cumprimentos.

19:02  
Blogger SRA disse...

Caro Nelson, este post não é meu, mas sim do António Bastos, que passou a escrever nesta casa.
cumprimentos

19:28  
Blogger vs disse...

Ooops!
Não reparei.
:)

20:17  
Anonymous Anónimo disse...

Caro Nelson,
Não há motivo para ficar intimidado, ou embaraçado. Agradeço-lhe o seu comentário, com o qual discordo, mas que tem o mérito de levantar uma questão fundamental: a da violência, da dinâmica do Mal inerente a um regime totalitário e que é algo de inédito na história da humanidade. O Nelson demonstra desconhecer a especificidade do fenómeno totalitário. Digo-lhe isto com toda a humildade de alguém que está muito longe, sem falsa modéstia, de ser um especialista na matéria. Crimes e massacres sempre os houve ao longo da história, mas o que há de novo nestes regimes estruturalmente ateus (como o demonstraram Waldemar Gurian e Eric Voegelin), ou não fosem eles fruto de 1789, é que a utilização da violência não resulta de um acto esporádico para quebrar um qualquer esboço de resistência, ou ameaça (até porque neste caso estas são rapidamente aniquiladas)ao poder vigente, mas é permanente necessitando para tal de inventar um perigo, ou inimigo. É isto, no fundo, o Terror. Foi assim, quer com o primeiro esboço de regime totalitário da história: a, felizmente curta, I República francesa que praticou o genocídio na Vendeia e tinha por "inimigo" o nobre emigrado, quer com a República Nacional-socialista alemã com o seu ódio aos judeus e, através deles ao capitalismo, e que levou ao seu genocídio, quer na URSS sobretudo na época de Lenine e de Staline com o ódio anti-burguês e anti-kulak que levou ao grande terror dos anos 30. Estes regimes porque são ateus não atribuem qualquer valor a esse absoluto, por isso INVIOLÁVEL, que é a vida humana. Todos nós somos feitos à imagem e semelhança de Deus, isto é, é a conjugação destas duas dimensões, a divina e a humana, que nos torna plenamente humanos. Sem uma relação a uma transcendência a nossa vida vale tanto quanto a dum cão ou dum gato. É por esta mesma razão que se acha normal assassinar seres humanos indefesos no útero da mãe e também por essa mesma razão que me parece que o termo totalitarismo se aplica com toda a propriedade à situação que vivemos neste momento em Portugal e em muitos outros países ocidentais.
Não sei se me consegui explicar, não sou um profundo conhecedor do fenómeno totalitário, helàs!. Espero, todavia,que quando o amigo Corcunda vier deambular por este local se dignará a assinalar a sua passagem com algumas palavras que, melhor do que as minhas, permitam ao Nelson compreender a diferença entre estes dois tipos de violência.

02:20  
Blogger vs disse...

O que eu queria que se retivesse do meu comentário é que me parece errado assacar à Democracia qualquer responsabilidade na 'invenção' do 'terror' ou da 'violência'.
Não deixa de ser sintomático que os exemplos que o António deu sejam todos de regimes anti-democráticos.
Por muitas críticas que o António possa fazer à Democracia esta em particular parece-me sumamente injusta.

obs: associar 1789 à Democracia sempre me pareceu abstruso.
O que se passou na altura em França nada tem de democrático.
(a associação de 1776 com a Democracia parece-me bem mais acertada)
A Democracia é um 'fenómeno' pós-1945, directamente derivado da vitória dos Aliados Ocidentais (Ocidentais, note-se) na 2ª Guerra Mundial.

17:08  
Blogger O Corcunda disse...

Penso que a chave para compreender o Totalitarismo e este excelente texto está na própria obra de Arendt que o António refere.
O problema do totalitarismo não está no mal que se faz. A Igreja já errou, as Nações já erraram, os Liberais já erraram... O problema não está no erro, no pecado, na inveja! Todos os homens, individual ou colectivamente, estão cheios de histórias de homicídio, de roubo, de egoísmo!
O totalitarismo não é o erro, é o Erro. É o momento político em que se acha que algo e o seu contrário são a mesma coisa, a incapacidade de PENSAR O BEM, por achar que ele e o mal são o mesmo ou não existem!

Eichmann não era um demente ou alguém com um ódio patológico aos judeus, era alguém que se havia, em consequência do espírito da época, deixado de pensar o Bem, achando que estava num sistema político para além deste.

Um abraço a todos

18:14  
Blogger SRA disse...

Caríssimos
Penso que o problema do totalitarismo é este mesmo que o Corcunda acaba de explanar: o de quer teoricamente quer na sua prática não encontrar a noção do certo e do errado, do Bem e do mal. As carnificinas do catolicismo, por exemplo, mormente as levadas a cabo pela Santa Inquisição, não partiam do essencial da Fé para se justificarem. E se assim o tentaram alguns fazer, hoje olhamos o passado e concluímos que não tinham a Razão do seu lado. Ora, o problema do totalitarismo é não possuir as ferramentas para em qualquer momento da sua história saber discernir o Bem ou o mal das suas acções, já que os seus pontos de referencia teórica os anulam. Basta lembrar que para o materialismo dialéctico a consciência não encontra definição que ultrapasse ser considerada como um simples estado da matéria. Mais, que essa matéria é o centro do mesmo materialismo, essência eterna de si mesma.

cumprimentos

18:38  
Blogger 柯云 disse...

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