19.2.07

Pauperização da França

Assisti há pouco tempo a uma reportagem no canal francófono TV5 sobre a cada vez maior penúria dos estudantes universitários em França que se vêm na obrigação de aceitar pequenos trabalhos para fazer face aos gastos e que recorrem aos serviços sociais para receberem cabazes de alimentos que, para muitos, constituem a única forma de poderem consumir carne havendo mesmo a assinalar casos de subnutrição. Tudo isto porque a maioria dos pais vive com orçamentos tão limitados que não comporta qualquer acréscimo de despesa, situação esta que, segundo é dito no programa, se tem agravado muito nos últimos anos. Creio que para muitos portugueses que têm da França a imagem um país rico, com um bom nível de vida, tal situação possa parecer algo estranha no entanto a realidade é que a França está cada vez mais pobre e endividada e caminha para a bancarrota. Basta pensarmos que todo aquele generoso estado social é mantido com recurso ao aumento da dívida pública, que quintuplicou em 20 anos absorvendo hoje 65% do PIB, e que, segundo li recentemente, o montante total colectado do imposto sobre os rendimentos (individuais e colectivos) paga apenas os juros da mesma. Vem isto a propósito da pré-campanha eleitoral para as presidenciais que decorre neste país e que contribui para o colocar no centro das atenções. Creio que resumir o problema da França a uma mera escolha de candidatos é algo redutor porque o problema desta é muito mais profundo. A França é acima de tudo vítima da ideologia, isto é, da incapacidade de percepcionar o real. Ninguém ilustra melhor esta situação do que o patético Presidente Chirac, a quem ouvi uma vez chamar “o optimista inoxidável”, quando fala do seu país e demonstra uma total desconexão com a realidade. Um povo a quem é inculcada a ideia de que tem as melhores instituições do mundo e que, por isso, se considera um modelo a seguir não consegue compreender o que se passa. Os próprios franceses contam uma piada que ilustra bem esta situação quando explicam porque razão o galo é o seu símbolo nacional: porque é o único animal que consegue cantar quando tem os pés na m…A França, à semelhança da ex União Soviética precisaria de uma “glasnost” (transparência) para conhecer o seu verdadeiro estado o que é difícil pela razão acima referida. Tudo isto associado a um regime profundamente centralizador, disfuncional, que pratica “despotismo democrático” a um nível que, mesmo para padrões europeus, é elevado, a um subconsciente marxista que os leva a detestar quem tem dinheiro porque de alguma forma consideram que a pessoa “serviu demasiado do bolo” (como se houvesse uma quantidade fixa de riqueza!) e o que é uma persistência daquilo a que gosto de chamar a mentalidade “sans-culotte” e, por fim e como consequência, a um nível fiscal depredatório que desincentiva toda e qualquer tentativa de investimento. É por isto que a França está a sofrer uma hemorragia de mão-de-obra qualificada e empreendedora que tanto contribui para o seu empobrecimento. A associação de todos estes elementos forma uma mistura explosiva cujos resultados são hoje visíveis. A França vive hoje, situação que tende a agravar-se, um “braço de ferro” entre a ideologia e a realidade e que, como sempre, esta última irá ganhar porque como dizia Revel “os factos são sempre reaccionários”. Tal acontecimento acarretará inevitavelmente a queda da V República, numa situação que nos recorda a da parábola do “Filho pródigo” na qual o filho só regressa à casa do Pai quando delapidou toda a sua herança e se encontra na miséria o que o leva a aperceber-se da sua real situação. Creio que este facto será uma bênção para a Europa porque, da mesma forma que os problemas que a afligem têm a sua origem nas ideias difundidas pela Revolução Francesa, creio que será também de lá que poderá vir a sua salvação. Será que estou a ver “o filme depressa demais”? Talvez, mas uma coisa é certa a gravidade da situação financeira francesa é tal que não dá margem para delírios e demagogias dos governamentais.

2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

"Pauperização" muito-muito relativa. As indústrias de armamento, por exemplo, acabam de receber a encomenda de um novo míssil (6.000 Km ) e mais não sei quantos submarinos...

22:33  
Blogger Flávio Santos disse...

Um artigo muito bom, que caracteriza em linhas gerais as taras francesas. Faltou referir o problema da imigração, forte contributo que tem sido para a descaracterização do país, para a marginalização da cultura europeia, para a dissolução dos costumes, para o declínio étnico, mesmo. E, já agora, para a depauperização das finanças públicas.

15:09  

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