14.3.07

O quebrar dos “nós e dos laços” ou como se dilui um país

O post do Corcunda intitulado “A Pátria no condicional” suscitou-me várias ideias que pensei escrever na caixa de comentários mas que bem vistas as coisas têm matéria suficiente para escrever um post. Lamento só agora o fazer mas não me foi possível mais cedo. Aqui está ele.
Infelizmente não é só a relação com a pátria que é colocada no condicional, mas todas as nossas relações. Num mundo hedonista tudo aquilo que não nos traz qualquer prazer, ou vantagem e que implique sacrifício, é imediatamente afastado. Porque perdemos a Fé, perdemos a Esperança daí que nada mais justifique o nosso sacrifício, ou esforço. Para melhor compreendermos a mudança que se operou na percepção que temos da Nação, há que ter presente que a nação surge, aqui na Europa, como expressão politica de uma comunidade religiosa, sendo a existência desta a condição sine qua non para esta se poder formar. Repare-se que esta entidade não tem, nem nunca teve, equivalente no mundo islâmico devido à estrutural incapacidade do Islão de separar o político do religioso. O problema de hoje na Europa com a total separação das duas esferas, devido à Revolução Francesa mas cuja génese remonta ao séc. XVI com a Reforma e a progressiva secularização das sociedades, é que as nações europeias se estão a diluir. O sinistro projecto, eufemisticamente denominado “Construção Europeia”, é o corolário de todo este processo no qual se tenta apagar da nossa memória colectiva toda a noção de pertença histórica. Como nos diz Pierre Manent no seu excelente livro “La raison des nations” falando a propósito do seu país, a França, mas que se poderia aplicar ao nosso, e passo a cita-lo: “Nós esquecemo-nos de que a criação do Estado neutro e laico pressupõe a existência anterior de uma nova comunidade sagrada, a nação precisamente. O Estado só pôde tornar-se neutro se, por sua vez, a nação francesa se tivesse tornado para a grande maioria dos cidadãos a “comunidade por excelência”, sucedendo assim à Igreja. Para que o Estado laico se tornasse possível, era necessário que “a França” tivesse substituído “a França católica”. (....)
O Estado laico não pode sobreviver ao Estado-nação. A sua neutralidade assenta na sua “transcendência”, e esta deriva do facto de ele ser o instrumento, o “braço secular”, da nação. A nação uma vez abandonada como comunidade sagrada, é o Estado laico que por sua vez é laicizado não sendo mais do que um dos vários instrumentos de governação cujo empilhamento eu já descrevi anteriormente. As comunidades até aí subordinadas à nação começam a separar-se e aspiram a governar-se a elas próprias”. Através das sábias palavras de Pierre Manent apercebemo-nos bem da tragédia a que estamos condenados se não fizermos tábua rasa de todo este veneno do laicismo que seca a “seiva” das nações estiolando-as, impedindo-nos de transpor a Esperança da comunidade cristã para o Estado laico o que acarreta o seu desmoronamento. Também Tocqueville na II parte do I livro da “Democracia na América”, no capítulo VI, ao falar-nos no espírito público nos Estados Unidos diz: “Existe um amor pela pátria que tem a sua origem no sentimento espontâneo, desinteressado e indefinível, que liga o coração do homem ao lugar onde nasceu. Este amor instintivo confunde-se com o gosto pelas tradições, o respeito pelos antepassados e a memória do passado. (…) Frequentemente este amor pela pátria é exaltado pelo fervor religioso, e nesse caso é capaz de prodígios. Ele próprio é uma espécie de religião: não se explica, sente e age.” Vemos também por estas palavras de Tocqueville que o substrato religioso é fundamental para cimentar um país. Podemos afirmar que todo este processo de descristianização da Europa, resultado da Revolução Francesa, filha do Iluminismo, é concomitante com a expansão da democracia e por esta acelerada. Tocqueville explica-nos, como só ele o poderia fazer, como é que a democracia ao destruir os laços sociais e facilitando a atomização igualitária da sociedade (expressão de Hannah Arendt) leva os homens a “uma incredulidade instintiva pelo sobrenatural” (Cap. II de, “De la Démocratie en Amérique II) tanto mais que estes, no mundo democrático, “apenas estão ligados por interesses e não por ideias” (Ibidem Cap. I). O complemento natural, e um dos seus artificies como lhe chama Pierre Manent, desta terrível máquina produtora de igualdade de pensamento, que é a democracia, é naturalmente o “Estado-providência” que ao garantir os mesmos direitos e regalias a todos os cidadãos os desresponsabiliza perante os seus semelhantes, nomeadamente os seus familiares, e os leva a considerarem-se apenas titulares de direitos sem quaisquer deveres. Esquecemo-nos de uma coisa tão simples e tão cristã: praticar a caridade, que é algo que começa em casa. No fundo este “Estado-providência” é um magnífico instrumento de “despotismo democrático”, para usar a expressão de Tocqueville. Perante isto, pergunto, que há de surpreendente no facto de se colocar “A Pátria no condicional”, bem como todas as restantes relações humanas?
António Bastos

3 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

António,quero aqui agradecer-lhe as boas palavras que teve para comigo lá no "Pasquim"do Corcunda.
Tal como o António,encontro naquele espaço um óptimo local de reflexão e de enriquecimento,pois que,não obstante pequenos pormenores de discordância(tenho em mente o facto de não considerar Salazar como um todo infalível,não obstante lhe reconhecer aspectos muito positivos),penso que no essencial há comunhão de pontos de vista,e vejo no Corcunda um muito eficiente anfitrião para acolher esse debate de ideias.

15:04  
Anonymous Anónimo disse...

Cara Cristina,
Sensibilizam-me as suas afáveis palavras. A sua presença na blogosfera é enriquecedora pela pertinência dos seus comentários fruto de um apurado sentido crítico aliado a uma enorme vontade de aprender. Bem-haja e continue a enriquecer-nos a todos com as suas intervenções.

16:24  
Anonymous Anónimo disse...

Interessante reflexão que todos deveriam ler...

Um abraço

O Corcunda

12:07  

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