Há alguns posts atrás o Corcunda falava-nos dos moderados. Nem de propósito o livro que ando a ler, um dos dois livros que recebi juntamente com o “Livre noir de la révolution française”, chama-se “La culture du refus de l’ennemi, modérantisme et religion au seuil du XXIe siècle”. Um livro que contem uma série de artigos escritos por vários autores (entre os quais um dominicano e um jesuíta) e que trata do fenómeno da “moderantismo” em política, que é um dos elementos estruturantes das sociedades modernas. Este neologismo serve precisamente para o distinguir da moderação, que os gregos consideravam como uma manifestação de prudência em política, e é sinónimo da tão apregoada “tolerância”. Este fenómeno caracteriza-se, por uma “pacificação pela neutralização”, pela recusa do inimigo o que leva o “moderado/tolerante” a recusar todo e qualquer compromisso com medo de ser catalogado de extremista ou de ser levado a tomar posição, ou seja, a assumir-se o que é algo que naturalmente lhe desagrada. Como nos diz Jean-Paul Bled autor da introdução do livro, “Pode-se preferir a servidão à liberdade mas é ontologicamente impossível de impedir o aparecimento de um inimigo. Ora, a utopia do apaziguamento definitivo dos conflitos conduziu à pior das violências, como o demonstram as doutrinas idealistas que vieram substituir o jus gentium desde o início da época wilsoniana e o mesmo se aplicando aos inimigos internos. Até agora as democracias têm conseguido manter-se apesar das várias crises que as têm ameaçado, daí a sua impressão de invulnerabilidade. Esta capacidade de superar os seus erros assenta num equilíbrio instável, obtido graças à absorção das contradições, mais do que à solução de fundo, que é constantemente adiada para uma data indefinida. Esta forma de integração das diferentes correntes de opinião é o reflexo de uma cultura comum que pretende procura afastar ideia de que a vida é uma luta, o que irresponsavelmente acarreta riscos para as gerações futuras. O aceitar da possibilidade do conflito e o controlo do medo do inimigo formam no entanto a base da responsabilidade política, o que impede a neutralização dos sistemas contemporâneos. O pacifismo que foi integrado nas mentalidades na sequência do concilio Vaticano II levou ao reforço desta neutralização. O Evangelho pede-nos para amar o inimigo, não para esquecermos a diferença entre amigo e inimigo.” Na génese desta patologia “moderantista” encontra-se aquela que é a característica fundamental dos regimes liberais (sejam elas repúblicas hereditárias ou electivas) e que se traduz por uma debilidade estrutural dos mesmos: a inexistência de uma noção de bem comum, que é relegada para o plano individual e sendo por isso todas elas aceites como igualmente válidas. Perguntar-se-á então: qual o cimento para assegurar a coesão das sociedades hodiernas? São essencialmente dois; por um lado a utilização de inimigos reais ou imaginários (versão “light” do terror nos regimes totalitários), e por outro a aceitação e incorporação de ideias contraditórias, visto que todas são consideradas válidas. Termino este post demasiado longo deixando no ar a seguinte questão quando nos libertaremos nós deste ciclo vicioso que está a destruir gradualmente as nossas sociedades? Quando formos capazes de pensar o bem e a verdade, algo de todo impossível sem uma relação a uma transcendência, transcendência essa da qual o homem moderno nem sequer quer ouvir falar.