26.2.08

Uma releitura de "Os Maias"

Na sequência da leitura do recente post do MCB a propósito da “Geração de 70”, post esse que subscrevo na íntegra, ocorreram-me algumas ideias que gostaria de partilhar com os meus parcos e estimados leitores. Não há dúvida de que, como muito bem referiu o MCB, toda a nossa visão do final do sec. XIX e princípios do XX continua, ainda hoje, e em grande medida, a ser marcada por este grupo. Bastaria apenas consultar alguns dos manuais escolares que abordam este período, para o confirmar. A noção de decadência, de atraso, de um país tacanho, beato e retrógrado e, o mais grave de tudo, de que tudo isto era algo de inevitável, isto é, uma fatalidade contra a qual nada podia ser feito, é aquilo que resumidamente a caracteriza. A título de exemplo recordemo-nos do tema da intervenção de Oliveira Martins nas célebres Conferências do Casino (proibidas pelo Marechal Saldanha): “Causas da decadência dos povos peninsulares” e nas quais ele incluía a influência do Concílio de Trento. Mas antes de tentar ir mais longe na compreensão do porquê desta visão tão negra da realidade portuguesa de então, convém, desde já, não esquecer que esta mesma visão era aquela que a maioria dos políticos do liberalismo (na sua maioria “aventaleiros”) tinham do seu próprio país, como no-lo relembrou Rui Ramos na sua conferência na Universidade Católica. A meu ver dois factores interligados concorrem para explicar esta atitude destes “intelectuais”. Por um lado, o facto de muitos destes senhores “consumirem” Hegel, por entre outros autores e cuja chegada a Portugal foi facilitada pela inauguração da linha de caminho de ferro Paris Lisboa. Sabendo que Hegel foi o grande mentor de Marx, podemos, pois, dizer que a influência fortemente deletéria deste filósofo se começava a fazer sentir nos neurónios destes senhores. No fundo eram uma espécie de “marxistas avant la lettre”, que sofriam de ideologia o que, tal como em tempos já aqui escrevi, os levava a chamar “preto ao branco e branco ao preto”, e a ver atraso onde, apesar de tudo, nem tudo era tão negro. Como bons “esquerdistas” eram um grupo de inimigos da liberdade (sobretudo da responsabilidade que lhe está indissociavelmente ligada) travestidos de defensores da liberdade. Por outro a crescente democratização do país, com a sua concomitante atomização igualitária, criou progressivamente um estado social propício a uma tal visão. Lembremo-nos aquilo que Tocqueville escreveu no seu capítulo XX do livro II “De la démocratie en Amérique”, intitulado precisamente “De quelques tendances particulières aux historiens dans les siècles démocratiques”:
Lorsque la trace de l’action des individus sur les nations se perd, il arrive souvent qu’on voit le monde se remuer sans que le moteur se découvre. Comme il devient très difficile d’apercevoir et d’analyser les raisons qui, agissant séparément sur la volonté de chaque citoyen, finissent par produire le mouvement du peuple, on est tenté de croire que ce mouvement n’est pas volontaire et que les sociétés obéissent sans le savoir à une force supérieure qui les domine.
Alors même que l’on doit découvrir sur la terre le fait général qui dirige la volonté particulière de tous les individus, cela ne sauve point la liberté humaine. Une cause assez vaste pour s’appliquer à la fois à des millions d’hommes, et assez forte pour les incliner tous ensemble du même côté, semble aisément irrésistible ; après avoir vu qu’on y cédait, on est bien près de croire qu’on ne pouvait y résister.
Les historiens qui vivent dans les temps démocratiques ne refusent donc pas seulement à quelques citoyens la puissance d’agir sur la destiné du peuple, ils ôtent encore aux peuples eux-mêmes la faculté de modifier leur propre sort, et ils les soumettent soit à une providence inflexible, soit à une sorte de fatalité aveugle. (...)
Il ne leur suffit pas de montrer comment les faits sont arrivés ; ils se plaisent encore à faire voir qu’ils ne pouvaient arriver autrement. (…) Cela est plus aisé que d’enseigner comment elle aurait pu faire pour faire une meilleure route.
»
Com base nestas palavras de Tocqueville vejamos então alguns aspectos de “Os Maias”. Se analisarmos toda a estrutura narrativa vemos que todas aquelas personagens estão submetidas a “une force supérieure qui les domine” não tendo qualquer possibilidade de inverter o destino traçado e que, como sabemos será trágico, sobretudo para a personagem principal, Carlos da Maia, bem como para o seu avô, Afonso da Maia. Li em tempos um livro de que muito gostei chamado “The lost literature of socialism”, no qual o autor, George Watson, um professor de literatura em Cambridge especializado na época vitoriana nos dá, num capitulo intitulado precisamente “Tocqueville’s burden of liberty”, exemplos deste medo da liberdade, (este “fardo” como ele lhe chama), que pode levar igualmente ao ódio à verdade (numa das obras que ele cita, uma das peças de teatro de Ibsen, “As três irmãs”, por exemplo, há, se não me engano, uma personagem que morre por ficar a conhecer a verdade sobre algo ou alguém). Isto levou-me a pensar num acontecimento no final de “Os Maias” no qual este ódio à liberdade, ou à responsabilidade, está bem patente. Recordemos então o momento no qual Eça nos faz surgir um tio vindo de Paris, cujo nome não me recordo e que serve apenas para revelar que Maria Eduarda é irmã de Carlos da Maia. Primeira consequência dessa “maldita” verdade: o avô morre. Segunda Carlos da Maia, ao recusar submeter-se à verdade persiste em manter uma relação pecaminosa/incestuosa, que no fundo sabe que está condenada. A reacção que Eça nos quer suscitar a todos com esta passagem é precisamente o ódio à verdade. Quantos de nós quando a lemos não dizemos a nós próprios: “que bom seria se o tio não tivesse vindo de Paris, visto que se assim fosse eles teriam podido continuar o seu “idílio”. Com base nisto uma pergunta se impõe: o que é “tramou” o Carlos da Maia? A resposta é óbvia: a liberdade. Ele escolheu livremente aquela que pensava ser a mulher da sua vida e “tramou-se”, logo, podemos dizer “maldita liberdade”. Para terminar este post, que já está demasiado longo, deixo no ar uma última pergunta: quando é que nas nossas escolas será dada aos alunos esta interpretação deste romance?

13.2.08

Exemplo de coragem

Falando recentemente com uma amiga, professora num conhecido colégio católico de Lisboa, soube de um acontecimento que lá se passou recentemente e que revela bem, por um lado, todas as mentiras que enxameiam os livros de história, e que são ditas às crianças mesmo num colégio que pretende ser católico e, por outro, o grau de imbecilidade de alguns professores bem “relativistas”. Este acontecimento teve como protagonistas uma professora de história e um dos seus alunos, o jovem Príncipe da Beira. O que é que se passou? Estando a professora a dar a matéria referente ao período do final da Monarquia constitucional e primeiros tempos da República, disse ela que a Família Real, devido aos seus gastos, contribuía para a grave situação financeira do país. Perante semelhante mentira e alarvidade o jovem Afonso de Santa Maria levantou-se e insurgiu-se contra esta afirmação ameaçando mesmo sair da sala caso a dita professora não retirasse o que acabava de dizer. A professora perante a insistência do jovem e como que para se justificar disse-lhe que aquilo era o que estava no livro e que, por isso, ela era obrigada a “papaguear” o que lá estava, independentemente de ser verdade ou não. Mas o mais grave foi ela afirmar que a posição do jovem era tão válida quanto a dela (ou do livro) e que, por conseguinte, ela respeitava a dele da mesma forma que ele deveria respeitar a dela. Lembro-me que durante a campanha para o referendo da liberalização do infanticídio pré-natal houve umas “luminárias” na Causa Real que quiseram participar na campanha apenas com o intuito de esclarecer mas sem tomar posição, isto é, para serem “tolerantes”, tal como esta mentecapta desta professora. Enfim é o “mundo moderno” em todo o seu esplendor. Não posso terminar este post sem deixar de enviar uma calorosa saudação ao jovem Príncipe da Beira (esperemos que um dia D. Afonso VII), BRAVO!

11.2.08

Caso Sokal

Num post recente o Corcunda falava-nos do famoso “Caso Sokal”, assim chamado devido ao nome do professor de física da Universidade de Nova Iorque, Alan Sokal, e cujas consequências tanto deram que falar nos meios literários e científicos norte-americanos e europeus. Recordemos, pois, sucintamente os factos. Em 1996 Alan Sokal, farto de ver utilizar abusivamente o jargão científico fora do seu contexto, nomeadamente no das ciências sociais, e, mais grave ainda, sem o mínimo conhecimento do seu significado, decide “pregar uma partida” a esses ilustres "hommes de lettres", como Hannah Arendt lhes chamava e que tanto abominava. Escreveu então um ensaio repleto de citações de muita dessa “fauna” e ao qual deu um título deliciosamente pomposo, se bem que desprovido de sentido, como de resto se impunha: “Transgredir as fronteiras: a caminho de uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica”. Para testar a credibilidade da sua impostura enviou o ensaio para uma das mais afamadas revistas do meio literário/universitário norte-americano: “Social text”. Qual não foi o seu espanto quando o texto, não só foi aceite pelos críticos da revista, mas por muitos dos seus leitores, vindo mesmo a alcançar um imenso sucesso, facto esse que surpreendeu totalmente o seu autor que acabou por se sentir obrigado a revelar a sua fraude. Na sequência deste acontecimento Sokal decidiu, juntamente com um físico belga Jean Bricmont, escrever um livro ao qual chamaram “Impostures intelletectuelles” e no qual reuniram toda uma série de afirmações destas “luminárias posmodernas”, com o intuito de as expor ao ridículo merecido. Claro que estas últimas ripostaram fazendo uso dos habituais impropérios, “reaccionários”, “fascistas”, simpatizantes da FN (Front National de Le Pen). Para além desta pequena anedota verídica há uma questão mais profunda e que se prende com o rigor da linguagem que mais não é do que um reflexo da “ordenação mental” e da honestidade de quem escreve. É fundamental distinguir simplicidade e clareza de linguagem do simplismo, não devendo nunca pensar-se que um assunto complexo necessita de uma linguagem hieroglífica. Aliás aquilo que distingue os grandes mestres é precisamente a capacidade de se exprimir de uma forma cristalina. Associada à falta de rigor está frequentemente uma enorme arrogância algo “farisaica” que, no fundo, pretende escamotear uma grande ignorância. Neste tipo de situações lembro-me sempre da I Epistola de S. Paulo aos Coríntios, quando ele diz: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver a caridade, sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine”.

2.2.08

Reino de Portugal

Visitei ontem por breves instantes um Reino há muito desaparecido, Portugal. Nesta visita tive a grata companhia, em primeiro lugar dos meus filhos, e em segundo de dois grandes amigos que dispensam apresentações. Estar rodeado de portugueses fieis à sua História, e da qual se orgulham, junto daquele que a corporiza, e para a honrar a memória de alguém que por ela deu a vida é algo de inefável, sobretudo sabendo que há cada vez menos portugueses e cada vez mais “tugas”, (“Homo Abrilinus”, cujo “patriotismo” se resume a apoiar uma equipa de futebol de 2 em 2 anos). Aliás enquanto visitávamos o reino havia um grupo de “tugas” que emitia sons de uma forma desconexa como que para nos relembrar que infelizmente esta visita mais não era do que “um engano da alma ledo e cego que a fortuna não deixa durar muito”, como diria o poeta. Apesar de tudo creio poder dizer que naquele momento e naquele local do Terreiro do Paço, “cumpriu-se” Portugal. Um grande bem-haja a todos os que estiveram presentes!

1.2.08

Homenagem

Assisti há um bocado à conferência do historiador Rui Ramos na Universidade Católica sobre o Rei D. Carlos. Rui Ramos tem feito um trabalho notável no sentido de reconciliar os portugueses com a sua história que tão deturpada tem sido pelos herdeiros da Carbonária. Uma simples passagem por qualquer manual escolar chega para nos confirmar tal facto. Rui Ramos descreveu-nos todo o contexto complicadíssimo no qual D. Carlos se moveu e que era o do monarca constitucional no qual este, se bem que não governando directamente, arcava com o ónus da governação, e consequente desgaste, visto que era ele que dissolvia as cortes e escolhia os primeiros ministros. Podemos dizer que este modelo de monarquia era, em última instância, um atentado ao próprio regime visto que este foi ficando progressivamente refém dos políticos. O único obstáculo a que estes dominassem por completo todo o aparelho do Estado e o usassem em benefício próprio, tal como acontece actualmente, era a figura do Rei (o “garante contra a democracia” com alguém já o definiu). Foi por este motivo que D. Carlos foi imolado, porque não se eximiu de cumprir o seu papel mesmo sabendo os riscos que corria. Gostaria, pois, neste dia tristíssimo para nossa História, bem como para a nossa Civilização, de prestar homenagem a um HOMEM cujo ecletismo, bondade, afabilidade, sentido do dever, da lealdade e do serviço lhe granjearam um justíssimo lugar na História de Portugal (algo que os pigmeus que impediram a presença da Guarda Republicana no Terreiro do Paço jamais terão). Mas a minha homenagem não ficaria completa se não tivesse igualmente uma palavra para o tão promissor Príncipe D. Luís Filipe, que morreu heroicamente defendendo o seu Rei, para a notabilíssima Rainha D. Amélia, que assistiu ao assassinar do seu marido e do seu filho e ainda teve a coragem de fazer face aos assassinos com o seu ramo de flores, e ao jovem D. Manuel que apesar de todo o seu sofrimento não hesitou em assumir as suas responsabilidades perante a Nação. Proibir a presença da Guarda Republicana hoje no Terreiro do Paço às 17h00, bem como comemorar o 5 de Outubro, é repetir este acto asqueroso, uma espécie de “missa negra” de “acção de graças” aos assassinos. Quanto às vítimas resta-me apenas agradecer-lhe o seu testemunho de coragem e dizer, “Dai-lhes, Senhor, o eterno e merecido descanso”.