23.11.09

Cristo-Rei

Como é sabido festejou-se ontem a solenidade do Cristo-Rei. Li recentemente na excelente revista que assinei, “Catholica”, um artigo sobre a solenidade do Cristo-Rei. No ano em que se comemoraram os cinquenta anos da inauguração da estátua do Cristo-Rei em Almada seria interessante recuar no tempo e compreender o espírito que presidiu à criação desta festa litúrgica por parte do papa Pio XI, e que veio em grande medida a ser subvertido pelas alterações introduzidas pelo papa Paulo VI. Num mundo que acabava de viver o horror da I Guerra Mundial Pio XI pretendia dar-lhe um motivo de esperança e combater aquilo que ele muito bem considerava ser a “peste do século” (e que continua a ser a do actual): a laicização crescente das nossas sociedades. Escrevia Pio XI na sua encíclica inaugural (Urbi Arcano, 1922): “No dia em que os Estados e os governos regulamentarem a sua vida política quer interna quer externa, com base nos ensinamentos e nos preceitos de Jesus-Cristo, então, e só então, poderão usufruir de uma verdadeira paz, manterão relações de mútua confiança e conseguirão resolver pacificamente os seus problemas”. Vivendo nós em tempos democráticos, isto é de “soberania do povo” falar de soberania de Cristo, ou seja, de Deus é no mínimo motivo de uma grande gargalhada, a não ser que acreditemos na balela, que de resto nos quiseram impor a propósito da “construção europeia”, de que é possível a coexistência de duas soberanias. Pio XI com base em documentos do próprio Concílio de Trento declarou que Cristo é não só o nosso Redentor mas também o Legislador ao qual nos devemos submeter. Isto significa que Cristo deverá reinar não só nos corações de todos os homens mas também que todas as instituições que se devem igualmente reger e estruturar de acordo com a Sua Lei, no espírito daquilo que S. Pio X dizia muito justamente “Instaurare omnia in Christo”. Ou seja, para Pio XI, como para S. Pio X, o Reino de Deus começa a construir-se já neste mundo, é intra-histórico, mas a sua realização plena não será deste mundo. Na reforma introduzida no missal de Paulo VI este reino passa a ser de natureza escatológica, realizar-se-á no final dos tempos, quando Cristo regressar à terra, na Parúsia. Enviar a realização do plena do Reino de Deus lá para as “calendas gregas” vem alterar radicalmente a liturgia desta festa e os seus símbolos, o que é uma forma de niilismo e de revolução, algo de preocupante. O artigo termina com uma citação da Carta Apostólica Summorum Pontificum (2007), “aquilo que era sagrado para as gerações anteriores continua a sê-lo para nós, e não pode ser repentinamente proibido, ou mesmo considerado nefasto. Convêm-nos conservar as riquezas que cresceram na fé e na oração da Igreja, e atribuir-lhes o seu devido lugar. Esperemos, pois, que Bento XVI venha a corrigir esta situação.

9.11.09

A perenidade do Muro

Como é sabido e tem sido falado pelos meios de comunicação, comemora-se hoje o 20º aniversário da queda do muro de Berlim. Confesso que não deixa de me divertir ver afluir vários dirigentes políticos a Berlim para comemorar o evento, sabendo que quase todos eles comungam dos mesmos princípios, ou pressupostos ideológicos, que estão na base do comunismo (ou não fossem eles democratas), tais como: a soberania do povo, o antropocentrismo, o relegar da religião para a esfera privada, o igualitarismo, entre outros e não pretendem questioná-los. Esta a razão pela qual a grande maioria dos políticos ocidentais, mesmo daqueles que se diziam de direita, sempre se mostrou incapaz de antever a queda do comunismo porque na realidade nunca o compreenderam, o que significa que no fundo o muro ainda não caiu dentro das suas cabeças e que o comunismo continua vivo. As várias derrotas que o comunismo sofreu (tecnológica, científica, económica), não podem substituir aquela que falta e que é a mais importante de todas: a derrota política. Esta por sua vez só será possível com a reconversão do homem moderno, algo do qual infelizmente ainda estamos longe. Aliás se analisarmos a elaboração dos regimes demo-liberais pós 1945 vemos que esta demonstra uma total incapacidade de tirar lições da história recente, ao persistir-se na criação de governos de facções, ou partidos políticos, isto é, a vulgar e depreciativamente designada “partidocracia”. Estes governos têm-se caracterizado pelo predomínio da ideologia social-democrata, associada ao sinistro estado-providência, e que levam à despolitização do Estado. O conjunto destes governos da movida social-democrata lançou-se no processo de “construção europeia”, um fuga para a frente. O actual beco sem saída ao qual chegaram a generalidade das democracias europeias é bem a imagem do homem moderno que ao querer bastar-se a si próprio, isto é, ao não querer reconhecer que o critério da Verdade é exterior à sua vontade, fica incapacitado de se libertar daqueles que são os seus mais terríveis tiranos: ele próprio e o pecado.
Termino com uma citação de Furet, do epílogo do seu célebre livro “Le passe d’une illusion” (1995) e que me parece de grande actualidade:

“La faillite du régime né en 1917 et peut-être plus encore le caratère radical qu’elle a pris privent en effet l’idée communiste non seulement de son territoire d’élection, mais aussi de tout recours : ce qui est mort sous nos yeux, avec l’Union soviétique de Gorbatchev, englobe toutes les versions du communisme, des principes révolutionnaires d’Octobre jusqu’à l’ambition d’en humaniser le cours dans des conditions plus favorables. (…..) Mais il n’atteint pas uniquement les communistes et les communisants. Au de-là d’eux, il oblige à repenser des convictions aussi vieilles que la gauches occidentale, et même la démocratie. A commencer par le fameux « sens de l’histoire », par lequel le marxisme-leninisme avait prétendu donner à l’optimisme démocratique la garantie de la science. Si le capitalisme est devenu l’avenir du socialisme, si c’est le monde bourgeois qui succède à celui de la « révolution prolétarienne », que devient cette assurance sur le temps ? L’inversion des priorités canoniques défait l’emboitement des époques sur la route du progrès. L’histoire redevient ce tunnel où l’homme s’engage dans l’obscurité, sans savoir où conduiront ses actions, incertain sur son destin, dépossédé de l’illusoire sécurité d’une science de ce qu’il fait. Privé de Dieu l’individu démocratique voit trembler sur ses bases, en cette fin de siècle, la divinité histoire : angoisse qu’il va lui falloir conjurer ».