Bem comum
Li recentemente um artigo da revista “Catholica” denominado “Utilitarismo e bem comum”. Foi em grande medida esse artigo que inspirou este pequeno post. Numa época em que assistimos à diluição das sociedades devido à quebra crescente dos laços entre os indivíduos que se fecham sobre eles próprios acabando por confundir bem privado com bem comum, falar de bem comum é algo de simultaneamente anacrónico e actual. Apesar de por vezes ouvirmos a expressão ela é, na maioria das vezes, empregue duma forma descontextualizada. A simples referência ao termo “bem” é já de si susceptível de causar alguma repulsa numa época que prima pela subjectividade, optando-se por isso pelo termo “valores”. Quantos de nós não nos lembramos dos vagos e difusos “valores republicanos” tão caros aos nossos insignes “reis laicos”? Mas o que é na realidade o “bem comum”? Bem comum, é o bem de cada um que só pode ser atingido com a ajuda dos outros membros da comunidade com quem se vive e que está toda ela ordenada para um mesmo fim, o Bem supremo e fonte de todo o Bem, isto é, Deus. Claro que esta noção varia de comunidade para comunidade, ou de família para família se se quiser. A herança histórica dos nossos antepassados (da qual os traidores abrilinos fizeram e fazem tábua rasa) é sem uma das mais preciosas componentes desse mesmo bem comum no caso de uma nação com uma história rica como a nossa. O bem comum é um dos elementos da DSI, como no-lo mostra o Compêndio de Doutrina Social da Igreja (2004) que passo a citar: “O bem comum da sociedade não é um fim isolado em si mesmo, ele tem valor somente em referência à obtenção de fins últimos da pessoa e ao bem comum universal de toda a criação. Deus é o fim último das suas criaturas e por motivo algum se pode privar o bem comum da sua dimensão transcendente.” (n. 170, Cap. IV). Um pouco antes (n. 164, Cap. IV) podemos ler: “o bem comum não consiste na some dos bens particulares de cada sujeito do corpo social. Sendo de todos e de cada um, é e permanece comum, porque indivisível e porque somente juntos é possível alcança-lo, aumenta-lo e conserva-lo, também em vista do futuro.” Isto permite-nos distinguir bem comum do interesse mútuo característico do contexto político moderno dominado pela ficção do pacto social, que mais não é do que uma tentativa frustre de suprir a sua ausência numa sociedade atomizada. Quando pensamos que as nossas sociedades, em maior ou menor, são dominadas por interesses privados e nas quais prevalece a vantagem do mais forte vemos o quanto temos regredido civilizacionalmente. Até quando?