26.10.07

Maldito Rousseau

Soube há pouco que uma mulher em Monção matou a filha de anos com pontapés, creio que por esta ter entornado o leite do biberão na cama. Perante um gesto tão hediondo e que nos repugna, o tribunal apenas a condenou a sete anos de prisão, tendo inclusivamente o advogado de defesa invocado que a sociedade, ou o Estado, tinha a sua cota parte de responsabilidade visto que não interveio a tempo. Perante semelhante disparate, eivado de um optimismo antropológico (bom selvagem) patético, onde iremos nós parar? Como poderemos nós falar de autoridade, logo de liberdade, se esta é destruída por imbecis deste calibre como é o caso do dito advogado? Quantas sessões de psicanálise colectiva precisaremos nós para que nos purguemos deste veneno “rousseauniano”? Receio bem que ainda tenhamos que passar um mau bocado.

O "Diktat" de Bruxelas

Assistimos na passada sexta-feira, perante o aplauso generalizado dos media, ao parto da versão recauchutada da “Constituição Europeia” a qual foi rebaptizada de Tratado de Lisboa (que vergonha, para nós portugueses, que a nossa capital fique associada a mais esse passo para o abismo). Este tratado é um instrumento essencial da “construção europeia”, uma forma de internacionalismo que visa destruir, sem violência física, a Europa ao “apagar” a história de cada povo e tornando-o gradualmente acéfalo facilitando assim a “marcha para a igualdade” que é a marca inconfundível da “cáfila pestilenta da pedreirada” (para utilizar a expressão de D. Miguel I). A Europa assemelhar-se-á cada vez mais a um “décor de Hollywood”, ou então será como que uma árvore que, apesar de ter um tronco em bom estado, já não tem seiva e, por isso, está morta. Ela é o mais recente produto do iluminismo, tal como o foram o comunismo e o nacional-socialismo, e que, como todos sabemos, tinham objectivos semelhantes se bem que utilizando meios violentos. Após ter tido conhecimento da triste notícia do parto fui reler algumas partes de um livro que é essencial para compreender este processo, “La raison des nations” de Pierre Manent, o capitulo do II livro “De la démocratie en Amérique” do “nazi-fascista” Tocqueville (cada vez que penso nele ocorre-me este excelente epíteto dado por alguém cujo nome de momento não me lembro) “Quelle espèce de despotisme les nations démocratiques ont à craindre” e dois artigos de Scruton, um o aconselhado pelo Corcunda na “Pasquinada”, “The dangers of internationalism”, e outro, “Combating Multiculturalism”, que descobri naquela fabulosa caverna de Ali-Bába que é o site www.isi.org ao ir procurar o primeiro artigo. Manent alerta-nos para a cada vez maior crise da representação, do divórcio entre eleitores e eleitos, tanto mais que ao diluir-se a identidade de um povo está a impossibilitar-se a sua representação na medida em que não se pode representar algo que não existe, daí ele considerar que toda esta sinistra “construção europeia” é uma tentativa de construir uma kratos sem dèmos, sendo a ausência do dèmos suprida pela “Ideia da democracia”. Mas citemos Manent “O império europeu tem em comum com o império americano o facto de estar animado pela perspectiva de um mundo no qual as diferenças colectivas deixarão de ser significativas. (….) Ocupados a construir duas torres de Babel gémeas, não nos apercebemos de que a separação entre as várias comunidades nunca poderá ser totalmente ultrapassada, e que esta feliz incapacidade é a condição da liberdade e diversidade humanas”. Mas como é que se obtém esta igualdade? Diz-nos Tocqueville no referido capítulo “…cobre-se toda a superfície da sociedade de uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, das quais nem as mentes mais originais e nem as almas mais vigorosas se conseguem libertar; esta rede não quebra as vontades, mas amolece-as, submete-as e dirige-as; não obriga a agir mas impede constantemente que se aja; não destrói nada mas impede a criatividade; não tiraniza mas incomoda, cerceia, enerva, anula, embrutece e transforma cada nação num rebanho de animais tímidos e habilidosos, cujo pastor é o governo.
Eu sempre achei que esta espécie de servidão suave, ordenada e pacífica, que acabo de descrever, poderia combinar-se melhor do que se pensa com algumas formas exteriores de liberdade, e que não lhe seria impossível estabelecer-se associada à soberania do povo.” Ao ler isto lembro-me de uma conversa que tive em Aveiro com o proprietário de um hotel desta cidade e na qual ele se me queixou da quantidade de regras imbecis e imbecilizantes que os eurocratas de Bruxelas produzem com o objectivo acima referido (por exemplo, proibir a utilização de colheres de pau, de congelar carne, de colocar sacos com carne (ou peixe) congelados (adquiridos já congelados naturalmente) dentro de caixas de cartão para melhor gerir o espaço dentro do congelador, entre outras aberrações). Perante este arsenal legislativo corremos o risco, como nos adverte Scruton e à semelhança de do que se passou durante a Guerra de Secessão nos EUA (1861-65), de termos uma guerra “Civil” intra-europeia, uma espécie de “Rebelião das massas” tão bem prevista por Ortega e Gasset neste seu livro ao quererem transformar-nos em “Perros callejeros” (o último livro deste autor). Este seria (será?) para Brandão Ferreira, segundo um artigo seu publicado no passado dia 11 de Setembro n’”O Diabo, “A sexta guerra de independência” durante a qual nos libertaríamos desse buraco negro da malfadada União Europeia que, segundo ele escreve e muito bem, à medida que cresce torna-se cada vez mais numa “babilónia ingovernável”. Já para já batamo-nos pelo referendo utilizando a única arma de que dispomos: a blogosfera. Regozijo-me por saber que não estarei só neste combate e que poderei contar com o apoio incondicional dos amigos Gazeta e Corcunda.

23.10.07

Nova constituição

Segundo li o novo líder do PSD, Luís Filipe Menezes, veio propor uma nova constituição para Portugal. Não deixa de ser surpreendente e positivo que um membro da partidocracia venha reconhecer que o país, como está, se afunda lentamente e que esta constituição, e com ela o regime de que ela é a expressão jurídica, não serve nem remotamente Portugal, antes pelo contrário destrói-o paulatinamente. Sou, pois, muito céptico em relação à referida proposta. Como pode alguém querer reformar algo do qual é um dos principais beneficiários? Mas mesmo que a proposta, por hipótese (académica naturalmente), fosse muito boa o PS nunca a deixaria passar no Parlamento. Como li em tempos, e a nossa história do sec. XX confirma, em república as mudanças profundas são sempre forçadas por forças exteriores ao sistema político (na maioria dos casos oriundas foro castrense) na medida em que não há nenhuma Instituição que lhe esteja acima, isto é, que não seja fruto da Vontade ou soberania popular. Basta pensarmos em 1926 ou 1974 para o confirmar. No entanto nas condições actuais não creio que seja de todo possível um golpe de estado para por termo a este “cadáver adiado” que é esta III República. Como é que nos conseguiremos ver livres deste regime? Será que as massas se revoltarão contra o garrote fiscal que ele nos impõe cada vez mais para tentar encobrir o constante aumento da despesa pública? Também não acredito muito nesta última hipótese. Não tenho resposta para esta pergunta, só o futuro o dirá mas quanto mais rápido melhor.

16.10.07

"Processo de Moscovo"

A RTP transmitiu ontem o seu habitual programa de “esclarecimento”, “Prós e contras”, cujo tema, “A Guerra Colonial”, foi motivado pela transmissão, a efectuar nas próximas semanas, de um documentário realizado pelo jornalista Joaquim Furtado com o intuito de explicar aos mais jovens o que foi aquele conflito. Confesso que é com grande apreensão que espero esse documentário que, a ser feito nos mesmos moldes em que foi feita apresentação dos concorrentes “não democratas” no concurso “Os grandes portugueses”, nada de bom pressagia. Havia participantes de diferente cor política mas tudo muito bem “orquestrado” para que a resultante das suas intervenções fosse nula, ou seja, para que ninguém ficasse esclarecido, como convém ao regime. No fundo uma bela forma de relativismo. Tudo naquele programa andou à volta de questões de terminologia tais como: se a guerra se deveria chamar colonial ou de libertação, se esta era justa ou não, ou ainda se os movimentos eram de “libertação” ou não. O que a maioria daquela plateia demonstrou acima de tudo foi a persistência das ideologias na mentes daqueles para que o Muro de Berlim não caiu dentro da cabeça e que, como tal, são e serão sempre totalmente incapazes de compreender o século XX (e o actual) e, neste caso concreto, a necessidade de combater pela defesa daqueles com quem convivíamos há séculos, e que tinham sido vitimas de uma agressão externa. Perante o chocante sofrimento daqueles povos que, por uma ignóbil traição, abandonamos à sua sorte continuar a utilizar a mesma cassete dos mitos jacobinos da “libertação”, do direito dos povos “autodeterminação” já usada no pós I Guerra Mundial na Europa sob a égide do triste Woodrow Wilson e com consequências catastróficas, é algo que só se compreende como reflexo dessa doença chamada ideologia, “chamar preto ao branco e branco ao preto”. Viviam infinitamente melhor antes da independência? Que horror, nem pensar nisso, eles sofriam os “horrores do colonialismo”! Hoje é que estão bem, estão “libertos”. Os processos de “independência” mais não foram do que formas de destruição de das economias locais para as colocar em total dependência das transferências dos países ocidentais, transferências essas que servem para engrossar o pecúlio dos “representantes do povo libertado” (vide o caso de José Eduardo dos Santos que é recebido com todas as honras cada vez que se desloca ao nosso país, e não só) pecúlio esse com o qual, para além de manter uma vida faustosa, podem adquirir armas o que contribui para o enriquecimento de alguns políticos ocidentais (o filho de Mitterrand está a ser, ou já foi, julgado por tráfico de armas para Angola) e industriais de armamento. Destacou-se no meio do debate pela sua verticalidade, coragem, integridade, objectividade e amor à verdade, o Ten. Cor. Brandão Ferreira, a quem desde já presto a minha homenagem, e que teve a coragem de chamar “branco ao branco” o que lhe custou ser vaiado por alguns dos traidores presentes na sala. Desmontar o argumento historicista de que a guerra estava perdida, mesmo quando a prática demonstrava o contrário, de que e era esse “o sentido da história” e de que a única saída possível para o conflito era a negociação, foi algo que Brandão Ferreira fez com grande eloquência e clareza mas que os ideólogos jamais compreenderão. Bem-haja, Ten. Coronel Brandão Ferreira!

15.10.07

Esclarecimento

Assisti ontem durante cerca de 15min ao debate transmitido pelo 1º canal da televisão do regime, moderado pela zelosa jornalista de serviço, Fátima Campos Ferreira, e que teve lugar no “Bunker modernista” (aceitando a sugestão do amigo Gazeta) recentemente inaugurado. Não deixa de ser revelador a identidade de pontos de vista que todos os intervenientes manifestaram, grandes progressistas! À pergunta da jornalista sobre a importância das referências às raízes judaico-cristãs da Europa naquela “coisa” que é o “Tratado Constitucional Europeu”, D. José Policarpo respondeu que essa questão não era, para ele, fundamental. Não sendo naturalmente uma surpresa ouvir o modernaço Policarpo proferir tais dislates não deixa de ser chocante. Fiquei elucidado e, como tal, desliguei a televisão.

10.10.07

Vida e destino

A vida extingue-se onde existe o empenho de apagar as diferenças e as particularidades por meio da violência”, Vassili Grossman
Lendo o suplemento literário do ABC do passado fim-de-semana deparo com um artigo interessante sobre aquele que é um dos grandes romances do séc. XX, “Vida e destino” de Vassili Grossman, um judeu soviético nascido em 1905 em Berdichev, na Ucrânia. A primeira vez que ouvi falar deste escritor foi ao ler “Le passé d’une illusion” de François Furet no qual este o insere na galeria daqueles que esboçaram uma tentativa de compreender o fenómeno totalitário antes de isto ser feitos por académicos como Arendt ou Voegelin, entre outros. O romance inspira-se em parte na “Guerra e Paz” de Tolstoi e, tal como este, tem como pano de fundo um acontecimento bélico, neste caso a batalha de Estalingrado durante o inverno de 1942-43 que Grossman acompanhou de perto visto nela ter sido correspondente do Exército Vermelho, tal como o foi em Berlim até ao final do conflito em 1945. Este mesmo facto permitiu-lhe visitar Treblinka pouco tempo depois da sua libertação. O romance foi salvo do esquecimento graças a Sakharov que microfilmou um exemplar dactilografado que tinha escapado a uma rusga do KGB e o trouxe para o Ocidente.
O que há de extraordinário neste romance, que confesso que ainda não li, é o facto de ousar quebrar aquilo que ainda hoje é um tabu, isto é, estabelecer um paralelismo entre os dois totalitarismos e perceber como precisam um do outro visto para se expandirem visto serem o simétrico um doutro tal como uma imagem ao espelho. Daí nada haver de surpreendente no pacto germano-soviético assinado em Agosto de 1939 entre Ribbentrop e Molotov. Grossman apercebe-se do horror do drama do povo russo que generosamente combateu o invasor alemão com um indizível sofrimento não se apercebendo de que ao faze-lo estava, na realidade, a reforçar o seu próprio carrasco, Estaline, e a fornecer-lhe “credenciais antifascistas”e, por conseguinte, democráticas. Isto dentro do raciocínio/cilada criado pelo génio do mal Munzenberg. Para trás ficavam as hediondas purgas dos anos trinta, o genocídio pela fome dos Koulaks.
O que torna ainda hoje o anticomunismo um tabu e o totalitarismo comunista visto, não como intrinsecamente mau, mas como bom apesar dos “desvios” que todos estes regimes inevitavelmente tiveram, é o facto de a tão venerada democracia assentar nos mesmos princípios liberais (todos eles “empestados” de imanência), que levam à atomização dos indivíduos, e que se inscrevem no “sentido da história” ao contrário do que acontece com o fascismo. Não é por acaso que Lenine dizia que a “ditaduras revolucionárias serão mil vezes mais democráticas do que a democracia das repúblicas parlamentares”. Furet diz no seu livro falando do totalitarismo que “o seu berço é a democracia moderna, ou antes uma forma degradada de democracia (será que haverá uma perfeita, pergunto eu? Nota do tradutor.) na qual a sociedade mais não é do que um agregado de indivíduos isolados uns dos outros e privados de laços cívicos”. Um dos denominadores comuns a estes dois regimes a demanda dessa sinistra “cenoura” da igualdade. Grossman é, pois, importante para ajudar a compreender este triste início de séc. XXI que está todo ele impregnado pela ideologia igualitarista. Não sei se o livro está publicado cá em Portugal, mas confesso que gostaria de o ler logo que possível.