Aproveitando um momento de insónias consegui finalmente terminar a leitura de um excelente artigo de Pierre Manent, aconselhado na famosa “Pasquinada” e cuja leitura muito me agradou. Ele é um bom complemento, como poderia ser uma boa introdução, do livro do mesmo autor: “La raison des nations”. Numa altura em que se assiste à tentativa fruste de “construção europeia”, isto é, na criação de um “Império europeu” o autor, com base em dados históricos, prova-nos que a Europa cristã nunca aceitou bem as duas únicas formas políticas que caracterizaram a Antiguidade Clássica: o Império e a Cidade. Isto porque com a entrada em cena do cristianismo as relações sociais, ao terem como referência o mandamento de Cristo de nos amarmos uns aos outros, alteraram-se profundamente surgindo então a necessidade de uma forma intermédia entre as duas anteriormente referidas: a Nação, cujo caminho vai ser aberto pela Instituição Real. Esta última torna-se assim num corpo intermédio, ou se se quiser, numa espécie de interface entre a nação, também ela feita do encadeamento de vários corpos intermédios, e a autoridade papal, que por sua vez vai buscar a sua a Deus. Ocorre-me imediatamente todo esforço diplomático do nosso fundador, D. Afonso Henriques coadjuvado por D. João Peculiar, junto de vários Papas desde Inocêncio II a Alexandre III para obter o seu pleno reconhecimento como Rei de Portugal, o que só lhe será outorgado por este último Papa com a bula “Manifestis probatum”. Outra função da Monarquia era por um lado de prevenir que a Igreja se imiscuísse no domínio temporal e por outro a de impor o respeito pelos mandamentos da Igreja. Não nos esqueçamos que um dos títulos do Rei de França era “Lieutenant du Christ”. O conjunto de todas as nações europeias constituía a chamada “Respublica christiana” e na qual os conflitos entre elas foram bastante raros. Outra função importantíssima da autoridade papal, e que o autor não refere pelo menos explicitamente, é a de sancionar o Poder Real, a de ser um absoluto, que legitima às leis que este fará, o que não significa de todo, contrariamente aquilo que os laicistas maldosamente afirmam, que este fique refém do Papa. Quando li esta parte do artigo lembrei-me daquilo que em tempos li no capítulo IV do “On Revolution” de Hannah Arendt a propósito desta necessidade de o poder se reportar a um absoluto. Oiçamo-la, então:
“The specific sanction which religion and religious authority had bestowed upon the secular realm could not simply be replaced by an absolute sovereignty, which, lacking a transcendent and transmundane source could only degenerate into tyranny and despotism. The truth of the matter was that when the Prince “had stepped into the pontifical shoes of Pope and Bishop”, he did not, for this reason, assume the function and receive the sanctity of Bishop or Pope; in the language of political theory, he was not a successor but a usurper (….) Secularization, the emancipation of the secular realm from the tutelage of the Church, inevitably posed the problem of how to found and constitute a new authority without which the secular realm, far from acquiring a new dignity of its own, would have lost the even the derivative importance it had held under the auspices of the Church. (…)
The enormous significance for the political realm of the lost sanction of religion is commonly neglected in the discussion of modern secularization…”
Foi a necessidade de suprir esta lacuna resultante da tragédia que foi a secularização, a primeira “libertação” na história da Humanidade, que levou as Monarquias a “divinizarem-se” o que por sua vez conduziu aquilo a que vulgarmente se designa por despotismo iluminado e que por fim abriu o caminho para as revoluções. Mesmo um discípulo de Satanás como era Robespierre se apercebeu desta necessidade de um absoluto e daí ter criado um “deus”, o Ser Supremo. Sem este absoluto (não confundir com arbitrário como é o caso muitas vezes), esta “força exterior ao sistema” como se diria em Física, que está igualmente submetido a um conjunto de leis predefinidas, tal como o comum dos mortais, não pode haver limitação de poderes entre, por um lado, o Rei e, por outro a Nação e só assim aquela frase de que tanto gosto e que melhor exprime o espírito da verdadeira Monarquia: “Nós somos livres o nosso Rei é livre”.
Creio sinceramente que este belíssimo artigo deveria ser distribuído aos associados das Reais Associações para compreenderem verdadeiramente o que é a Monarquia e, por isso, nunca se sentirem tentados em querer um”Príncipe da democracia” (Deus nos livre e guarde!)