O post do
Corcunda intitulado “
A Pátria no condicional” suscitou-me várias ideias que pensei escrever na caixa de comentários mas que bem vistas as coisas têm matéria suficiente para escrever um post. Lamento só agora o fazer mas não me foi possível mais cedo. Aqui está ele.
Infelizmente não é só a relação com a pátria que é colocada no condicional, mas todas as nossas relações. Num mundo hedonista tudo aquilo que não nos traz qualquer prazer, ou vantagem e que implique sacrifício, é imediatamente afastado. Porque perdemos a Fé, perdemos a Esperança daí que nada mais justifique o nosso sacrifício, ou esforço. Para melhor compreendermos a mudança que se operou na percepção que temos da Nação, há que ter presente que a nação surge, aqui na Europa, como expressão politica de uma comunidade religiosa, sendo a existência desta a condição sine qua non para esta se poder formar. Repare-se que esta entidade não tem, nem nunca teve, equivalente no mundo islâmico devido à estrutural incapacidade do Islão de separar o político do religioso. O problema de hoje na Europa com a total separação das duas esferas, devido à Revolução Francesa mas cuja génese remonta ao séc. XVI com a Reforma e a progressiva secularização das sociedades, é que as nações europeias se estão a diluir. O sinistro projecto, eufemisticamente denominado “Construção Europeia”, é o corolário de todo este processo no qual se tenta apagar da nossa memória colectiva toda a noção de pertença histórica. Como nos diz Pierre Manent no seu excelente livro “La raison des nations” falando a propósito do seu país, a França, mas que se poderia aplicar ao nosso, e passo a cita-lo: “Nós esquecemo-nos de que a criação do Estado neutro e laico pressupõe a existência anterior de uma nova comunidade sagrada, a nação precisamente. O Estado só pôde tornar-se neutro se, por sua vez, a nação francesa se tivesse tornado para a grande maioria dos cidadãos a “comunidade por excelência”, sucedendo assim à Igreja. Para que o Estado laico se tornasse possível, era necessário que “a França” tivesse substituído “a França católica”. (....)
O Estado laico não pode sobreviver ao Estado-nação. A sua neutralidade assenta na sua “transcendência”, e esta deriva do facto de ele ser o instrumento, o “braço secular”, da nação. A nação uma vez abandonada como comunidade sagrada, é o Estado laico que por sua vez é laicizado não sendo mais do que um dos vários instrumentos de governação cujo empilhamento eu já descrevi anteriormente. As comunidades até aí subordinadas à nação começam a separar-se e aspiram a governar-se a elas próprias”. Através das sábias palavras de Pierre Manent apercebemo-nos bem da tragédia a que estamos condenados se não fizermos tábua rasa de todo este veneno do laicismo que seca a “seiva” das nações estiolando-as, impedindo-nos de transpor a Esperança da comunidade cristã para o Estado laico o que acarreta o seu desmoronamento. Também Tocqueville na II parte do I livro da “Democracia na América”, no capítulo VI, ao falar-nos no espírito público nos Estados Unidos diz: “Existe um amor pela pátria que tem a sua origem no sentimento espontâneo, desinteressado e indefinível, que liga o coração do homem ao lugar onde nasceu. Este amor instintivo confunde-se com o gosto pelas tradições, o respeito pelos antepassados e a memória do passado. (…) Frequentemente este amor pela pátria é exaltado pelo fervor religioso, e nesse caso é capaz de prodígios. Ele próprio é uma espécie de religião: não se explica, sente e age.” Vemos também por estas palavras de Tocqueville que o substrato religioso é fundamental para cimentar um país. Podemos afirmar que todo este processo de descristianização da Europa, resultado da Revolução Francesa, filha do Iluminismo, é concomitante com a expansão da democracia e por esta acelerada. Tocqueville explica-nos, como só ele o poderia fazer, como é que a democracia ao destruir os laços sociais e facilitando a atomização igualitária da sociedade (expressão de Hannah Arendt) leva os homens a “uma incredulidade instintiva pelo sobrenatural” (Cap. II de, “De la Démocratie en Amérique II) tanto mais que estes, no mundo democrático, “apenas estão ligados por interesses e não por ideias” (Ibidem Cap. I). O complemento natural, e um dos seus artificies como lhe chama Pierre Manent, desta terrível máquina produtora de igualdade de pensamento, que é a democracia, é naturalmente o “Estado-providência” que ao garantir os mesmos direitos e regalias a todos os cidadãos os desresponsabiliza perante os seus semelhantes, nomeadamente os seus familiares, e os leva a considerarem-se apenas titulares de direitos sem quaisquer deveres. Esquecemo-nos de uma coisa tão simples e tão cristã: praticar a caridade, que é algo que começa em casa. No fundo este “Estado-providência” é um magnífico instrumento de “despotismo democrático”, para usar a expressão de Tocqueville. Perante isto, pergunto, que há de surpreendente no facto de se colocar “A Pátria no condicional”, bem como todas as restantes relações humanas?